Discoteca Básica; 'Entertainment!', Gang of Four (1979)
Discoteca Básica; 'Entertainment!', Gang of Four (1979)
"Se os membros do Clash eram os guerrilheiros urbanos do rock'n'roll, os da Gang of Four eram teóricos do movimento revolucionário", já dizia o Truser Press Record Guide, com acerto. Uma primeira leva do pós-punk britânico - que trouxe essas duas bandas e o PIL, entre outras - se atirava com a mesma fúria contra os fundamentos da sociedade burguesa, fossem eles destrutíveis ou não. Não eram. Mas isso só se soube depois..
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As marcas da artilharia ainda estão aí. Uma das mais eloqüentes é "Entertainment!", primeiro LP da Gang, que viria a ser chamado pelo Melody Maker de "guia jovem para sobrevivência em tempos de recessão" (!) O grupo surgiu em 77, na cidade portuária e industrial de Leeds. O baterista Hugo Burnham, o guitarrista Andy Gill e o vocalista Jon King - todos egressos da universidade local - recrutaram Dave Allen (esse, o único proletário de verdade da banda) para o baixo. E em poucos meses já lançavam um primeiro Lp, Damaged Goods, pelo selo independente Fast Products. O sucesso de crítica do disco e o furor que as apresentações ao vivo sempre causavam em clubes ou escolas deixaram a EMI interessada no grupo. A "Camarilha dos Quatro" (xingamento, cunhado pelo governo chinês para o grupo político da viúva de Mao Tse Tung, expurgada do poder tempos depois da morte do marido) se garantiu, exigindo da gravadora - a mesma que rompeu com os Pistols em 76 - controle total sobre o produto: repertório, capa, produção e divulgação. A EMI pagou para ver.
O aperitivo já causou encrenca: o single "At Home He's a Tourist" esbarrou na censura do programa de TV Top of the Pops, pôr uma referência, na Letra, a camisinhas... O LP confirmou a porrada. Numa espécie de lapidação do diamante cristalizado no carvão punk, o som da Gang não é mero suporte para textos de agitação. Ele é política: sintético, reduzindo ao mínimo essencial, valorizando cada elemento musical e não fazendo concessões a fórmulas ou estilos convencionalmente aceitos - ainda que seja perfeitamente rock. A base sonora das faixas resume-se praticamente a baixo/bateria - uma cozinha que conseguiu juntar de forma única simplicidade, criatividade e peso -, e é apenas pontuada pela guitarra de Gill, pelos vocais e pôr uma eventual escaleta (monocórdica) de king. Apesar das intervenções brutais dos instrumentos, o silêncio também é ostensivamente usado na texto musical, criado climas inusitados a partir da formação mais tradicional do rock.
Gill, o guitarrista, uma das promessas da décadas (não realizada desde que ele se afastou para tratar de um câncer), mantém-se nos acordes - ao contrário dos próximos discos da banda, onde predominariam riffs e notas. Musicais como "Natural's Not in It" e "Demaged Goods" (regravada), pôr incrível que pareça, resumem-se a dois acordes básicos de guitarra - todo o clima se baseia na dinâmica dos instrumentos. Mas Gill também tinha outras cartas na manga (ou entre os dedos). Basta observar suas intervenções insólitas no (anti-) funk "Not Great Men" ou o puro noise que encerra "Guns Before Butter", numa dissonância que também aparece em "Ether" e "Glass". No início de "Anthrax", parece que iremos escutar a versão de "Star Spangled Banner", de Hendrix tal a brilhante manipulação do feedback. Mas logo surge um beat tribal de Allen e Burnham, seguido da dupla vocalização de King e Gill (à maneira de "The Murder Mistery", do terceiro LP do Velvet Underground).
Um perfeito veículo para a visão (eminentemente marxista) da banda, a da "política em microcosmo" das relações humanas em uma sociedade capitalista: o casamento como posse, o trabalho alienado, a tortura como rotina (nas prisões políticas) e a rotina como tortura, lá e cá. Num lampejo de incorformismo: that's not entertainment!
Celso Pucci/Alex Antunes (Revista Bizz, Edição 44,Março de 1989)
Curiosidade; Em 2012, a extinta MTV Brasil organizou um tributo a Legião Urbana, com dois dos membros originais completados pelo ator Wágner Moura nos vocais. Comentários a parte, a banda sempre citou o Gang of Four como sua maior influência, e para o especial, o guitarrista Andy Gill foi convidado e participou de uma versão de 'Damaged Goods' e 'Ainda é Cedo'. Veja o vídeo aqui.
Tracklist;
01. Ether
02. Natural's Not In It
03. Not Great Men
04. Damaged Goods
05. Return The Gift
06. Guns Before Butter
07. I Found That Essence Rare
08. Glass
09. Contract
10. At Home He's A Tourist
11. 5.45
12. Love Like Anthrax
02. Natural's Not In It
03. Not Great Men
04. Damaged Goods
05. Return The Gift
06. Guns Before Butter
07. I Found That Essence Rare
08. Glass
09. Contract
10. At Home He's A Tourist
11. 5.45
12. Love Like Anthrax
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