Disco da Semana; 'Lianne La Lavas', Lianne La Havas (2020)


Disco da Semana; 'Lianne La Lavas', Lianne La Havas (2020)

Infelizmente, você não verá o nome de Lianne La Havas no topo das listas de melhores do ano, ela não faz o tipo de música que o crítico branco costuma elogiar, não é moderno o suficiente, nem retrô suficiente, é um disco em 1ª pessoa sem participações de rappers do momento ou cantoras pops. Assim como o gênio Michael Kiwanuka, maior cantor surgido nos anos 2010, a cantora inglesa Lianne La Havas vive numa espécie de limbo dentro da cultura preta que é vendida para pessoas brancas que precisam de ajuda para descobrir música pop. Entenda, não é uma crítica a você, leitor, caso ainda não tenha ouvido “Lianne La Havas” e sim uma constatação no que se refere ao mundo em que vivemos. Existimos em um mundo onde as coisas nos são apresentadas aos montes, quantidades absurdas de informação depositada nas redes sociais como caminhões de areia e que, por mais que tentamos, não conseguimos chegar ao fundo. Então, em algum momento desistimos e deixamos os algoritmos nos guiarem para onde já estávamos indo de qualquer maneira, fim. Nesse sentido, esse texto não é para convencê-lo da importância do álbum para o mundo, mas sim para que você possa ler e pensar um pouco sobre as coisas que pode estar deixando passar apenas por estar olhando para o outro lado. Eu entendo, eu também deixei passar muitas coisas legais e me peguei pensando se valeria a pena escrever sobre algo em 2020 que não fosse sobre fúria e solidão. Bem, aqui estamos, você e eu, entregues a um disco sobre amor próprio porque no fim foi o que aprendemos em 2020.

A analogia que faço com “Lianne la Havas”, 3º disco de Lianne La Havas, é que ele é como um rio, fluindo sem se desviar em momento algum, te levando para o oceano, para outros lugares da música pop, ou como dizem “é uma porta de entrada para drogas mais pesadas” que neste caso é o Soul do começo dos anos 70. A primeira nota que você ouvirá foi composta há 50 anos por Isaac Hayes e, curiosamente, todos os discos que samplearam “Black Moses” (1971) se tornaram clássicos atemporais – Portishead, Depeche Mode, Tricky e Racionais MCs são apenas alguns deles. O sample de “Ike’s Rap III / Your Love Is So Doggone Good” deixa claro que você está diante de um disco fora de seu tempo, uma atemporalidade que o desgruda do R&B que está sendo feito atualmente. Ele te joga para “i can’t stand it rain” da Ann Peebles e “Perfect Angel” da Minnie Riperton, discos que não mudaram o mundo, mas seguem mudando vidas a cada nova geração que os descobrem e é disso que a música pop sobrevive, não de listas ou de prêmios.

Muitas resenhas tratam de “Lianne La Havas” como um renascimento da cantora. Elas não estão erradas, mas me parece ser o renascimento da mulher Lianne mais do que da cantora Lianne, o disco é apenas um reflexo natural de uma artista em momento de autoconhecimento. É como se tudo já estivesse ali e só foi preciso iluminar os pontos certos, arejar outros, libertar alguns dogmas que envolvem a música feminina. A beleza com que ela toca sua guitarra, que era quase escondida pela produção dos álbuns anteriores, aqui é o fio condutor, a marca principal da produção, um dedilhar que por várias vezes lembra MPB que a cantora não esconde amar. A prova da minha teoria de que já estava tudo ali é a versão para “weird fishes” do Radiohead. A canção existiu por anos nos shows da cantora até receber a gravação oficial que inicia o lado B do álbum e que me fez esquecer por completo a existência da versão original, recomendo a experiência. Não há um ponto menor durante os 50 minutos do disco, mas é “paper thin”, no final do lado A, que me derruba. Não há meios de sobreviver a uma canção que diz para você que Deus está do seu lado e você tem um futuro lindo, mas se você não se amar, não poderá amar mais ninguém. Grandes clichês, eles nunca desapontam.

– Giancarlo Ruffato (@rufattohttp://screamyell.com.br/site/2020/12/14/meu-disco-favorito-de-2020-lianne-la-havas/

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