Discoteca Básica; 'Music For The Big Pink', The Bands (1968)
Discoteca Básica; 'Music For The Big Pink', The Bands (1968)
The Consuls, The Rocking Revols, Thumper And The Trombones, The Jungle Bush Eaters, The Roots e The Capters - foi a partir desses grupelhos de nomes engraçados criados no big bang do rock'n'roll dos anos 50, que surgiu o embrião da formação que nos daria alguns dos momentos mais sublimes da música pop: The Band.
Ainda adolescentes, Jaime Robbie Robertson (guitarra), Richard Manuel (piano), Rick Danko (baixo) e Garth Hudson (órgão) - todos canadenses - se uniram a Levon Helm (bateria, vindo do Arkansas) para acompanhar o cantor Ronnie Hawkins. Rocker mediano, mas um tremendo cascateiro (uma de suas histórias favoritas era que ele colhia algodão ao lado de Bo Diddley!) e boa-praça, Hawkins soube guiá-los por todos os mafuás do Canadá. Logo, o grupo - nomeado The Hawks - tornou-se expert nos instrumentos, sendo capaz de levar de cor e salteado standards de r&b, bluegrass, rockabilly e outros estilos.
Desligando-se de Hawkins, os cinco migraram para os EUA. Em 65, os Beatles e os Stones eram os nomes, o que fazia dos Hawks um anacronismo ambulante. Ainda assim, construíram uma sólida reputação na Costa Leste, atraindo a atenção do bluesman John Hammond, Jr. Através dele, conheceram Bob Dylan, de quem - garantiam - jamais tinham ouvido falar! O clic foi imediato: sidemen encapetados, os Hawks trataram de eletrocutar o folk do cantor/compositor que, extasiado, carregou-os por suas turnês de 65 e 66. Nem mesmo o acidente de moto que levou Dylan a convalescer em Woodstock foi capaz de interromper a colaboração. Alocado na vizinhança e tendo como QG o porão de uma enorme casa rosa (a "Big Pink"), erguida no topo da montanha Overlook, o grupo - já então "modestamente" rebatizado The Band - e Dylan elaboraram um trabalho ímpar, onde a reciclagem de suas raízes sonoras, junto à intensa experiência comunal por eles vivenciada, resultaram em gravações revolucionárias, ainda que encobertas por um verniz conservador.
Ao fim desta jornada interior, Dylan verteu John Wesley Harding, enquanto The Band saiu-se com Music From Big Pink. Historicamente, o momento era de extremismo, com o rock hiper-amplificando-se - vide os LPs de Hendrix e do Cream feitos em 68 - para reclamar a transformação tão ansiada pela juventude. Vinda na contramão, The Band propunha o mesmo por outras vias, ou seja, para seus membros as mudanças só se sustentariam através da retomada da tradição. Em sua incrível mescla de temas caipiras, hinos batistas, jazz à la New Orleans, Motown sound e rock paleolítico, com canções executadas em conjunto - sem espaço para solos ou auto-indulgência - e enfatizando melodias e harmonias vocais, Music From Big Pink é indubitavelmente a quintessência dos crossovers feitos nos anos 60.
Da introdutória "Tears Of Rage" - uma amarga reflexão acerca do conflito de gerações, segundo a ótica dos pais - à misógina balada "Long Black Veil", passando pelo encanto rústico de "We Can Talk" e a alegórica "To Kingdom Come", o álbum ainda abriga clássicos como "Chest Fever", "I Shall Be Released" e "This Wheels On Fire". Entretanto, seu maior trunfo é "The Weight", uma faixa de inspiração bíblica que traz o personagem vagando por uma Nazaré espectral, às voltas com uma trama de culpa, paixão, dor e rejeição.
Depois de Music From Big Pink, o grupo produziu pelo menos outra obra-prima - The Band (69) -, além de nos deixar um punhado de discos que, até hoje, teimam em resistir bravamente à voragem do tempo.
Arthur G.Couto Duarte (Revista Bizz, edição 65, Dezembro de 1990)
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