Disco da Semana; 'Stories from the City, Stories from the Sea', PJ Harvey (2000)
Se você procurar por aí, vai ver muita gente se referindo a Stories From The City, Stories From The Sea como o melhor disco de PJ Harvey desde o lançamento do excelente To Bring You My Love.
Isso encontra justificativa no fato de que, depois de lançar o compacto supramencionado, o som de Polly Jean sofreu uma mudança repentina, cujo começo pode ser observado em Dance Hall At Louse Point, disco que a cantora lançou ao lado de John Parish no ano de 1996. Essa alteração estava relacionada a uma tentativa de imprimir um ar classudo nos registros da cantora. A produção se tornou mais bem arranjada e menos crua. Quem gostava da selvageria despreocupada de Dry, por exemplo, tinha tudo para torcer o nariz. Porque não se encontra mais aquela coisa seca (com o perdão do trocadilho), com cara de que foi feita em pouquíssimo tempo. Não há mais aquele ar de algo que quer ser verborrágico, esfregar alguma coisa desconfortável na cara do ouvinte por meio de cada acorde, de cada palavra cantada.
Porém, não pensem que depois de To Bring You My Love a raiva desapareceu. Ela se alterou. Não daquele jeito ruim, que faz a gente pensar que está escutando uma versão diluída de algo que antes era interessante exatamente por sua agressividade. PJ Harvey continua sendo boa em tratar temas incômodos. Ela continua sendo boa em colocar em palavras os sentimentos mais obscuros – e também os mais simples – possíveis. O que aconteceu foi amadurecimento. Porque a idade chega mesmo para todo mundo. Até para as moças que passaram os anos 90 com raiva e atacando os seus interesses amorosos/o mundo de modo geral. E quando ela chega, você tem duas escolhas: seguir o seu complexo de Peter Pan e continuar tocando a mesma música de antes, o que tem grandes chances de não fazer sentido e te colocar numa posição e alguém que não evolui; ou abraçar a mudança e os riscos que vêm com ela. Para a felicidade geral da nação, PJ Harvey fez a segunda coisa. E foi dessa mudança que surgiu Stories From The City, Stories From The Sea.
Tratando de temas como a depressão, o amor (no bom e no mau sentido) e o sentimento de se estar sem lugar no mundo, PJ Harvey entrega nesse disco um registro menos frenético, mais introspectivo e que tem a sua cara apesar de todas as mudanças sonoras. As melodias se tornam mais convidativas, até mesmo expansivas, e fazem um trabalho melhor puxando ouvinte para dentro do que é cantado por Polly (especialmente na excelente This Mess We’re In, um dueto com Thom York). Das características antigas, PJ mantém em Stories From The City a sua querida guitarra elétrica, que ecoa em todos os registros do disco e não deixa a gente se esquecer da trajetória da artista. Porém, quanto mais se escuta o disco, mais se tem a impressão – que é fortalecida pelo jeito de cantar de PJ Harvey – de que ela está mais relaxada, menos preocupada em fazer perguntas retóricas (cuja resposta, talvez, seja um sonoro “talvez”) ou em atacar. Stories From The City é dinâmico, tem alguma influência do blues e consegue empolgar desde o seu começo, a pulsante Big Exit (que, sem dúvidas, é a melhor faixa de abertura de toda a carreira da cantora).
Além disso, é ainda por meio de Big Exit que a gente percebe que, na verdade, PJ Harvey ainda conserva partes daquela moça inquieta de antes. Afinal, a faixa fala sobre o sofrimento humano, mas existem nela dois versos que mandam toda a racionalização pro espaço: I’m imortal/When I’m with you. E isso, ao invés de tornar Big Exit contraditória, torna a música divertida e um retrato perfeito daquilo que você encontra no restante do disco.
E é exatamente isso o que faz Stories From The City, Stories From The Sea ser tão interessante. Porque quando PJ Harvey surge cantando “I can’t believe that the axis turns/On suffering when you taste so good”, na animada (e ironicamente intitulada) This Is Love, a gente só consegue pensar que a moça tem um talento incomum para fazer coexistir o pessimismo que a faz refletir sobre a condição humana, de forma tão dura, com a esperança de encontrar algo que a faça sentir completa. E quando se presta atenção nos dois trechos destacados, tem-se a sensação de que emStories From The City, PJ Harvey finalmente conseguiu fazer as pazes com a sua “bad fortune slipping away”.
Além das guitarras elétricas, outra característica que PJ Harvey conserva nesse registro é a sua obsessão pelo sexo. Assim, o disco descreve, em alguns momentos, várias faces do amor (talvez de um mesmo amor, se a gente pensar com cuidado e estiver disposto a cruzar letras). E a gente observa a deterioração do vínculo entre PJ e quem-quer-que-seja através de faixas furiosas, como Kamikaze, e até momentos resignados como We Float, onde Polly canta que o seu nome do meio, no passado, era excesso, mas que ela tem esperança de que um dia as coisas se tornem mais leves para ela e o seu amado. Ou talvez não especificamente o cara para quem a canção foi escrita (supondo que exista um), mas que, possivelmente, um dia ela vai atingir esse estado de graça descrito em We Float. Um dia ela vai aceitar a vida exatamente da maneira como ela é, ao lado de quem quer que esteja por perto.
O que quer que aconteça para a artista, em momentos como essa canção Stories From The City, Stories From The Sea se parece com um recado de Polly para Polly. Um recado do tipo, “olha, é assim que é a felicidade – se é que ela existe. Ambígua, cheia de reflexão, mas com uns momentos em que a gente pode simplesmente se sentar e assistir alguém tirando a roupa”. E quer saber a parte mais interessante? A gente compra cada palavra e termina a audição certo de que escutou as maiores verdades da vida.
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