Discoteca Básica; 'The Chess Box', Chuck Berry (1990)
Discoteca Básica; 'The Chess Box', Chuck Berry (1990)
Esta é a história que se conta: Charles Edward Anderson Berry - um guitarrista, cantor e cabeleireiro de 29 anos - e seu amigo pianista Johnnie Johnson apareceram nos estúdios da gravadora de Leonard Chess, em Chicago, num dia de 55. Vinham munidos de um bilhete de apresentação escrito por Muddy Waters e uma tosca fitinha demo com duas músicas: um blues tradicional ("Wee Wee Hours") e uma "novidade", como Berry a definiu. Uma fusão de r&b e country saltitante intitulada "Ida Red", "adaptada" de cançonetas anônimas da região de St. Louis, terra natal de ambos. Chess torceu o nariz para o blues, mas adorou a "novidade". Pediu que Berry arredondasse a música, que a deixasse dançante, escrevesse uma letra nova com um nome de mulher mais interessante e, sobretudo, polisse sua voz de tenor de forma que não parecesse mais "tão negra".
Assim nasceu "Maybellene", e o passo seguinte de Chess foi dar uma misteriosa "parceria" ao DJ Alan Freed, garantindo assim uma massiva execução naquele que era um dos programas mais quentes do rádio americano, Moondog Matinee. "Maybellene" foi um sucesso estrondoso e esta história, que a memória hoje elíptica e seletiva de Berry não confirma nem desmente, é absolutamente exemplar tanto de sua carreira - uma mistura diabólica de gênio e oportunidade - quanto de toda a gênese do rock'n'roll. Ali estava o talento intuitivo de um artista popular negro compreendendo a oportunidade histórica de misturar estilos brancos e negros, confrontando-se com a argúcia dos intermediários brancos em adaptar sua descoberta às necessidades do mercado. Chess entendeu o que o indignado Johnnie Johnson se recusava a ver: que Berry era um bluesman medíocre, mas um genial inventor de "novidades". E que a América branca, a que tinha dinheiro para comprar discos e vontade de consumir "novidades", estava pronta para elas.
Quem explorou quem? A audição desta Chess Box revela o óbvio: que no rock, como na vida, não há respostas simples. A coleção de faixas selecionadas nos arquivos da Chess Records tem a desigualdade fulgurante da carreira de Chuck Berry. Estão aqui todos os momentos em que seu talento "novidadeiro" conjurou todos os demônios certos.
O repertório de meia dúzia de fraseados de guitarra com o qual ele escreveu o glossário do rock para o instrumento, a ser decorado por Beatles, Stones e depois ampliado por Hendrix. A fusão perfeita de quase todos os estilos populares americanos, brancos, negros e mestiços, numa argamassa ao mesmo tempo sólida e flexível que se chamou rock'n'roll.
Sua absoluta, genial capacidade de contar longas histórias em poucos versos firmemente amarrados à batida, seu vocabulário ao mesmo tempo precioso e alucinado, escorreito e gauche, suas cápsulas de um universo sobre o qual escrevia de fora como um observador curioso e oportunista - o universo branco juvenil, de carros, bailes e ginásios. De Dylan a Bruce Springsteen, não houve poeta rock que não fosse tributário de Berry, da longa saga de "Havana Moon" aos diálogos interiores de "Little Queenie".
Mas aqui também estão os esboços e diluições de cada um desses momentos: uma série de fillers e bobagens com que Berry enchia compulsivamente o vinil, na sede de capitalizar mais uma necessidade de seu público. Uma polca? Um bolero? Quem sabe uma balada? Mas - Berry, rock'n'roll - esta é a sua vida: luzes e desvãos, genialidade e diluição, explorados e exploradores num só abraço. No final, saímos todos ganhando.
Ana Maria Bahiana (Revista Bizz, Edição 58,Maio de 1990)
Tracklist;
Disc 1
- "Maybellene" – 2:18
- "Wee Wee Hours" – 2:02
- "Thirty Days" – 2:21
- "You Can't Catch Me" – 2:42
- "No Money Down" – 2:56
- "Downbound Train" – 2:49
- "Brown Eyed Handsome Man" – 2:15
- "Drifting Heart" – 2:47
- "Roll Over Beethoven" – 2:22
- "Too Much Monkey Business" – 2:53
- "Havana Moon" – 3:06
- "School Days" – 2:40
- "Rock and Roll Music" – 2:30
- "Oh Baby Doll" – 2:36
- "I've Changed" – 3:04
- "Reelin' and Rockin'" – 3:15
- "Rockin' at the Philharmonic" – 3:21
- "Sweet Little Sixteen" – 3:10
- "Johnny B. Goode" – 2:37
- "Time Was" – 1:56
- "Around and Around" – 2:38
- "Beautiful Delilah" – 2:13
- "House of Blue Lights" – 2:24
- "Carol" – 2:46
Disc 2
- "Memphis, Tennessee" – 2:10
- "Anthony Boy" – 1:52
- "Jo Jo Gunne" – 2:45
- "Sweet Little Rock N' Roller" – 2:20
- "Merry Christmas Baby" – 3:11
- "Run Rudolph Run" – 2:43
- "Little Queenie" – 2:40
- "Almost Grown" – 2:18
- "Back in the U.S.A." – 2:27
- "Betty Jean" – 2:29
- "Childhood Sweetheart" – 2:42
- "Let It Rock" – 1:45
- "Too Pooped to Pop" – 2:33
- "Bye Bye Johnny" – 2:03
- "Jaguar and Thunderbird" – 1:50
- "Down the Road a Piece" – 2:13
- "Confessin' the Blues" – 2:07
- "Thirteen Question Method" – 2:12
- "Crying Steel" – 2:32
- "I'm Just a Lucky So-and-So" – 2:50
- "I'm Talking About You" – 1:48
- "Come On" – 1:48
- "Nadine (Is It You?)" – 2:35
- "Crazy Arms" – 2:12
- "You Never Can Tell" – 2:40
- "The Things I Used To Do" – 2:40
- "Promised Land" – 2:20
Disc 3
- "No Particular Place to Go" – 2:41
- "Liverpool Drive" – 2:53
- "You Two" – 2:08
- "Chuck's Beat" – 10:35
- "Little Marie" – 2:34
- "Dear Dad" – 1:48
- "Sad Day Long Night" – 2:42
- "It's My Own Business" – 2:10
- "It Wasn't Me" – 2:32
- "Ramona Say Yes" – 2:40
- "Viva Viva Rock N' Roll" – 2:00
- "Tulane" – 2:36
- "Have Mercy Judge" – 2:38
- "My Dream" – 5:56
- "Reelin' and Rockin' [Live]" – 7:02
- "My Ding-a-Ling [Live Single Edit]" – 4:16
- "Johnny B. Goode [Live]" – 3:13
- "A Deuce" – 2:32
- "Woodpecker" – 3:33
- "Bio" – 4:22
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