Música + Cinema; 'Mistaken For Strangers: A Year On Tour With My Brother's Band', de Tom Berninger (2014)
Música + Cinema; 'Mistaken For Strangers : A Year On Tour With My Brother's Band', de Tom Berninger (Torrent Download) (2014)
Eis Tom Berninger: um tipo essencialmente porreiro, na casa dos trinta
anos e sem um rumo definido para a vida. Recentemente licenciado em
cinema, tem no currículo dois filmes amadores de terror sobre duas
criaturas que, apesar de distintas, partilham um frenesim de matança
indiscriminada. Ouve Iron Maiden e Judas Priest, gosta de desenhar e de
ver ficção-científica, mas não se interessa demasiado pelo que quer que
seja, motivo provável para a sua falta de sucesso e consequente
indefinição. Entre empregos e sem namorada, e sem nada para o prender à
terra onde nasceu, é convidado pelo irmão mais velho para integrar a
road crew da sua banda, numa tour longa e stressante, nos Estados Unidos
e na Europa. Sem nada a perder, e excitado com uma nova experiência,
Tom acede. Autorizaram-no a levar a sua câmara de filmar para, se assim o
desejar, filmar uns vídeos de pouco impacto para enriquecer o site dos
The National.
Os The National são uma banda de indie rock muito bem-sucedida, e nos quinze anos que decorreram desde a sua fundação, em 1999, já lançaram seis LPs e dois EPs – a maior parte dos quais recebidos de forma entusiástica pela crítica. Apoiam-se numa base de fãs em gradual crescimento, e no ano passado alcançaram o terceiro lugar do top de vendas da Billboard. As suas músicas têm um componente instrumental normalmente intrincado e profundamente envolvente, calmo e no entanto cheio de estilo, capaz de gerar momentos intensos sem aumentar de ritmo ou de volume de decibéis. O seu vocalista, Matt Berninger, parece ser um tipo inteligente e sério, um bocado excêntrico, mas sempre com classe, com a sua voz calma de barítono, os seus fatos e os seus coletes, e com o seu porte alto e elegante e de aparência responsável.
Como seria de esperar, a vinda de Tom para trabalhar com a equipa por detrás dos concertos da banda não correu como inicialmente tinha sido previsto. Esperava álcool e festas e um ambiente celebrativo, e encontrou stress, ansiedade e um meio povoado por indivíduos responsáveis, bem cientes do que estava em jogo e do que era necessário para movimentar uma máquina de dois autocarros de cidade em cidade. Chegavam ao local e desmontavam o equipamento, traziam toalhas e provisões e garrafas de água e de whiskey, ensaiavam o concerto e concediam entrevistas, tocavam o concerto e voltavam a desmontar o equipamento, e regressavam para o autocarro e repetiam tudo o melhor possível, na próxima paragem, durante meses e meses, com algumas semanas de pausa. Sem qualquer formação e com pouco profissionalismo, Tom esforçou-se até certo ponto para cumprir as numerosas responsabilidades, por norma de forma um pouco inglória. Contou o irmão, numa entrevista, que no primeiro dia da tour «foi-lhe pedido que encostasse um caminhão ao pé de um passeio para que pudéssemos descarregar. E ele arrancou um toldo de uma loja (…) E era uma loja de toldos. Que desenhava toldos. Por isso, num dia, custou à banda $3,000. O que é um ordenado de várias semanas. Era o ordenado de uma ou duas semanas. E isso no primeiro dia». Tom foi despedido ao fim de oito longos meses.
Os The National são uma banda de indie rock muito bem-sucedida, e nos quinze anos que decorreram desde a sua fundação, em 1999, já lançaram seis LPs e dois EPs – a maior parte dos quais recebidos de forma entusiástica pela crítica. Apoiam-se numa base de fãs em gradual crescimento, e no ano passado alcançaram o terceiro lugar do top de vendas da Billboard. As suas músicas têm um componente instrumental normalmente intrincado e profundamente envolvente, calmo e no entanto cheio de estilo, capaz de gerar momentos intensos sem aumentar de ritmo ou de volume de decibéis. O seu vocalista, Matt Berninger, parece ser um tipo inteligente e sério, um bocado excêntrico, mas sempre com classe, com a sua voz calma de barítono, os seus fatos e os seus coletes, e com o seu porte alto e elegante e de aparência responsável.
Como seria de esperar, a vinda de Tom para trabalhar com a equipa por detrás dos concertos da banda não correu como inicialmente tinha sido previsto. Esperava álcool e festas e um ambiente celebrativo, e encontrou stress, ansiedade e um meio povoado por indivíduos responsáveis, bem cientes do que estava em jogo e do que era necessário para movimentar uma máquina de dois autocarros de cidade em cidade. Chegavam ao local e desmontavam o equipamento, traziam toalhas e provisões e garrafas de água e de whiskey, ensaiavam o concerto e concediam entrevistas, tocavam o concerto e voltavam a desmontar o equipamento, e regressavam para o autocarro e repetiam tudo o melhor possível, na próxima paragem, durante meses e meses, com algumas semanas de pausa. Sem qualquer formação e com pouco profissionalismo, Tom esforçou-se até certo ponto para cumprir as numerosas responsabilidades, por norma de forma um pouco inglória. Contou o irmão, numa entrevista, que no primeiro dia da tour «foi-lhe pedido que encostasse um caminhão ao pé de um passeio para que pudéssemos descarregar. E ele arrancou um toldo de uma loja (…) E era uma loja de toldos. Que desenhava toldos. Por isso, num dia, custou à banda $3,000. O que é um ordenado de várias semanas. Era o ordenado de uma ou duas semanas. E isso no primeiro dia». Tom foi despedido ao fim de oito longos meses.
Durante esta longa jornada evidenciou várias vezes o seu estatuto de marginal. Filmou as discussões que mantinha com o tour manager,
salientou os pedidos para (por amor de Deus) parar de filmar, e até
captou uma ordem de uma responsável da banda para que, quando pudesse,
partilhasse com ela as imagens que andara a gravar – suspeitava-se que o
seu documentário, quando lançado, perpassaria «uma imagem negativa da
banda». Estes momentos, contudo, não foram captados com resquícios de
malícia ou de sentimentos de vingança. Expõem ao invés a falta de
adaptação, e por vezes de competências, do protagonista do documentário,
que tal como nós entende as responsabilidades para manter uma máquina
bem oleada e em funcionamento eficaz. Compreendemos também o stress e o
cansaço motivados pelas circunstâncias.
A exploração da alienação de Tom vai fazer todo o sentido na segunda metade do filme, quando a sua direcção se tornar surpreendentemente clara. E parece haver um momento chave para a definição desta abordagem – quando Matt lhe confidencia no seu tom sempre sério que só a partir do momento em que aprendeu a transpor as suas emoções para a essência da sua arte é que conseguiu alcançar, após muito esforço, um certo patamar de sucesso. Relevante ou não para os eventos subsequentes, a verdade é que vamos começar a assistir a um aprofundamento dos meandros da personalidade de Tom, e a compreendermos a sua própria maneira de pensar. O protagonista mostra-nos as conversas com os pais sobre as suas próprias idiossincrasias, os sinais de confiança dados pelo irmão e pela sua simpática esposa e as palavras efusivas de desencorajamento da sua sobrinha de cinco anos. Evidencia as suas inseguranças, a pressão sufocante de ter um irmão com tanto sucesso, e compreendemos que não é bem a elaboração do documentário que está verdadeiramente em causa, mas sim a sua própria autoestima. E sendo Tom um tipo porreiro, é muito fácil torcemos por ele.
Mas não é só de lutas interiores que se faz “Mistaken for Strangers”, e como tal Tom Berninger vai-nos presenteando com alguns dos momentos mais apoteóticos dos concertos dos The National a que terá assistido. Estes instantes são complementados com algumas cenas de bastidores, ilustrativas e variáveis no seu conteúdo, desde a colaboração da banda com a campanha presidencial de Barack Obama, até ao momento em que um Matt Berninger todo possesso começa a espalhar objetos pelo chão depois de um concerto mal sucedido. Pelo meio temos questões constrangedoras respondidas com silêncios desconfortáveis e algumas cenas desenroladas nas gravações no estúdio do álbum Trouble Will Find Me, mais descontraídas e enriquecidas com diversas palavras de sabedoria.
Mas como já se referiu o foco do documentário está colocado nos problemas enfrentados pelo seu humilde criador, e é esta abordagem que lhe dá alguma originalidade e ainda um estilo muito próprio. Aliás, voltando às sensatas palavras do vocalista da banda musical, «I think the movie is a perfect movie about our band, because our band isn’t about being rock stars. It’s just about how people struggle to be people, and that’s what the movie’s about, I think». E é por isso que “Mistaken for Strangers” não se destina necessariamente aos apreciadores dos The National, e aliás nem sequer foi feito por um. Destina-se também aos apreciadores de música e de cinema e aos irmãos mais novos e aos irmãos mais velhos. E, se o resultado final não aumentar a autoconfiança de Tom Berninger, então não sei o que o poderá fazer.
Comentários
Postar um comentário