Disco da Semana; 'The Suburbs', Arcade Fire (2010)


Disco da Semana; 'The Suburbs', Arcade Fire (2010)

Obras de arte são difíceis de serem feitas. Existem muitos pré-requisitos, como circunstâncias temporais, por exemplo. Quadros eram apreciados, óperas eram escritas para a nobreza, bancadas por ela. Com o cinema, os clássicos vem morrendo por causas das distrações. Ir ao cinema é um ritual, onde, num ambiente escuro e silencioso, nos focamos apenas a apreciar uma forma de arte. Hoje, celulares tocando a todo momento e o conforto das TV's á cabo em HD estão matando o prazer de se sair de casa e reverenciar o trabalho de alguém.

E com a música isso também está acontecendo. Discos, ou pelo menos a ideia de juntar um punhado de canções e lançadas em um formato físico, que pode ser comprado e saboreado como uma forma de arte, ler as letras, ver as fotos ou a arte conceitual dele, estão mortos. Quem, hoje em dia, na era das oportunidade tecnológicas, paga por cultura é saudosista. E quanto menos pessoas pagarem pela arte, menor conteúdo ela vai ter, já que tudo se resumirá a singles, canções únicas, que virarão Ringtones de celular ou trilha sonora de comercial de refrigerante. Na verdade, é o final de um ciclo que começou exatamente assim; Quando os vinis foram inventados, nada mais eram que coletâneas de músicas de um artista que era executado incessantemente nas rádios. Álbums, como eram chamados um conjunto de músicas compostas com uma finalidade, fosse ela de contar uma história ou de encher linguiça para os hits, só vieram depois, principalmente com os Beatles na década de 60.

Álbums conceituais são para serem apreciados por poucos. Poucos muitos, é verdade. Pessoas que gostam de tudo citado acima. Gostam de colocar um disco e sentar para apreciá-lo, com a atenção necessária. Entrar na história que aquela banda quer te contar. E digam-me, quem tem tempo pra isso hoje? Como parar a sua vida para prestar atenção na vida de outra pessoa por uma hora?

Durante os anos, muitos discos foram escritos com idéias por trás deles. O capítulo final no século 20 foi "OK Computer", terceiro disco da maior banda dos últimos vinte anos, o Radiohead. Naquele momento, em 1997, eles já faziam um relato do século vinte um. O vazio existencial de um mundo sem tempo e com muita tecnologia para ser desperdiçada.

Alguns outros artistas além do Radiohead se arriscaram nessas empreitadas que tendem a trazer muito respeito artístico mas pouco retorno financeiro que justifique o investimento de tempo e dinheiro colocado naquele, agora, pedaço de nada, já que música hoje em dia não pode ser mais 'tocada' pelas nossas mão como antigamente. Música virou um 'arquivo' de computador, ouvido aleatoriamente.

O Radiohead se arriscou de novo com "Kid A", em 2000. O Green Day fez o seu também. O U2 levou um tombo de vendas no ano passado falando de velhice para jovens de 20 anos que só querem fazer air-guitar com "Vertigo". E em 2004, uma bandinha pretensiosa do Canadá veio com "Funeral", uma obra pretensiosa sobre vida e morte. Coisas que gente como Bob Dylan, Lou Reed e Leonard Cohen gastaram suas carreiras descrevendo, Win Butler, mentor do Arcade Fire, resumiu em um disco. Um clássico de primeira viagem.


Em "Neon Bible", o segundo rebento, a banda diminuiu de tamanho. Um disco difícil e observador da cultura americana. Falsos profetas numa época de falsas felicidades. Mas como superar você mesmo? Como seguir adiante depois de ter feito seu melhor trabalho? Bom, muitos dizem que você tem a vida inteira pra compor o seu primeiro álbum e um ano pra compor o segundo. E o que resta para o terceiro?

Pro Radiohead, restou "OK Computer".

Para o Arcade Fire, "The Suburbs".

Captaram?

Não estou comparando tematicamente os discos. Muito menos, querendo dizer que um é melhor que o outro (á saber, acho o primeiro melhor), mas este disco representa o mesmo para o Arcade Fire. Um clássico. Um alento. UMA OBRA-PRIMA!

"The Suburbs" é, antes de tudo, um ÁLBUM  com letras maiúsculas. Se você é aquele tipo de pessoa que gosta de ouvir músicas no seu IPod aleatoriamente  ele pode até vir a funcionar. Várias das canções são inesquecíveis, assoviáveis e cantáveis, mas você só vai se EMOCIONAR se ouvi-lo de cabo a rabo. Uma, duas, três, quatro.... vinte vezes... Deitado na cama, dirigindo no transito num dia frio, bebendo vinho com a pessoa amada, no fone de ouvido enquanto olha a janela do metro... Ele se tornara a trilha sonora da mediocridade mundana do dia-a-dia. Se tornará a sua ópera particular. E aposto, será o disco da vida de muita gente (eu ainda tenho esperança na juventude).

A temática é clara; A vida suburbana, repetitiva e os seus segredos. Li em um blog que o disco faz você lembrar daquelas tardes da adolescência em que não se tinha nada o que fazer á não ser pensar em bobagens. Olhar para o teto do quarto imaginando o quanto você não poderia estar se divertindo se fosse uma pessoa diferente. Essa temática transcende época.




A cada faixa, você se esquece que está ouvindo músicas separadas. Elas se interconectam, dão andamento, vida e alma para suas letras. Extremamente confessionais. Nitidamente, Butler descreve o seu passado, seus amigos, seus desapontamentos com a vida moderna. Letras ótimas aliás para a livre interpretação que o momento da sua vida trará... Pra mim, funcionam como se "No Surprises" do Radiohead virasse uma ópera-rock. Hinos para o futuro.

Músicas de destaque? "The Suburbs" e sua melodia inesquecível... "Rococo" e sua batida pesada, As dançantes "Ready To Start" e "Mouth Of May", onde o espírito do Queens Of The Stone Age baixou na banda. As eletrônicas "Half Light II (No Celebration)" e "Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)". "We Used To Wait" e "Wasted Hours", depressivas até o osso... Enfim.. Impossível destacar uma só. 

Guarde seu tempo e gaste-o com esse disco. Você encontrará sentido na palavra ARTE de novo. Ou pela primeira vez. Bem-vindo ao universo fantástico de uma coisa esquecida.

(Márcio Guariba - Um Temperamental Vive Aqui, 2010) 

'The Suburbs' é o terceiro disco da banda e foi lançado em três de julho de 2010. Foi aclamado como melhor disco daquele ano por várias publicações. Além do disco, o pacote continha um curta metragem que usava a canção título como tema.

Tracklist; 

01 The Suburbs
02 Ready to Start
03 Modern Man
04 Rococo
05 Empty Room
06 City With No Children
07 Half Light I
08 Half Light II (No Celebration)
09 Suburban War
10 Month of May
11 Wasted Hours
12 Deep Blue
13 We Used to Wait
14 Sprawl I (Flatland)
15 Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)
16 The Suburbs (Continued)




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