Discoteca Básica; 'Truth', Jeff Beck (1968)


Discoteca Básica; 'Truth', Jeff Beck (1968)

Swinging London, 1968. Em um cenário musical efervescente, dominado pelas cores psicodélicas dos Beatles em Sgt. Pepper's - lançado no ano anterior - e das guitarras delirantes de Hendrix e Syd Barrett, surge outra referência capital para os futuros rumos do rock: Truth, um disco com profundas raízes no blues e no soul, mas ao mesmo tempo embebido do espírito alucinado da época. A principal ferramenta utilizada para forjar o tesouro foi a guitarra paranoica de Jeff Beck.

Autodidata, egocêntrico, pioneiro, temperamental, maníaco - muitos foram os adjetivos usados para tentar qualificar esse autêntico anti-herói da guitarra. Porém, todos eles acompanhavam um único substantivo: gênio. Tudo começou quando Beck - por recomendação de Jimmy Page - foi chamado para substituir Deus - ou seja, Eric Clapton, um dos mais conceituados guitarristas da época - nos célebres Yardbirds.


Beck esteve no grupo por pouco tempo e, ao deixá-lo, conheceu o produtor Mickie Most, que o convenceu a formar uma banda e a gravar três compactos. Beck então convocou Rod Stewart e Ron Wood, ambos figuras emergentes no panorama musical. O primeiro - ex-futebolista -, um cantor que nutria uma infinita admiração por Sam Cooke e possuía um timbre vocal personalíssimo; o outro, um inquieto baixista que posteriormente se tornaria guitarrista dos Faces e dos Stones. Para completar o time, o baterista Aynsley Dunbar, logo substituído por Mick Waller. A banda empreendeu uma turnê americana, como suporte do Cream. Sucesso total, para ambos os grupos: Beck e Clapton foram aclamados incondicionalmente.





De volta a Londres, Beck e sua banda gravaram o primeiro LP. A guitarra de Jeff tinha conseguido encontrar um perfeito complemento na carismática rouquidão da voz de Rod. Além disso, a banda havia incorporado a virtuosa bluesy do piano de Nick Hopkins, o "sexto" Stone.

Resultado: um repertório impecável, executado magistralmente. Na contracapa, as faixas imodestamente comentadas, uma a uma, pelo próprio Beck. O disco começa com a paulada de "Shapes of Things", um hit dos Yardbirds rearranjado por Jeff. Continua com "Let Me Love You", um blues de Rod, no qual voz e guitarra travam um inesquecível diálogo que parece se estender na balada "Morning Dew". Seguem-se o blues "You Shook Me", de Willie Dixon, recomendado por Beck para se ouvir "furioso ou chapado", e a pungente interpretação de "Old Man River", com Jeff no baixo e John Paul Jones, futuro baixista do Zeppelin, no órgão.

"Greensleeves", uma famosa canção tradicional, serve de prelúdio ao outro lado do LP, numa sutil intervenção acústica. Na seqüência, "Rock My Plimsoul" - uma música de Rod que já havia sido lançada anteriormente, aqui numa regravação aprimorada - e "BeckÕs Bolero", um memorável número instrumental de autoria de Jimmy Page, envolto numa sinfonia de guitarras e violão. Depois, "Blues de Luxe", uma preciosa gravação ao vivo pontuada pela técnica e o feeling dos solos de Jeff e Nicky. Para encerrar, "I Ain't Superstitious", outra do bluesman Dixon, na qual Beck confessa em suas próprias palavras (e notas musicais) ter se apropriado dos riffs de outra fera do blues, Howlin' Wolf.

Mestre incontestável na ampliação dos recursos da guitarra elétrica e na utilização de efeitos e pedais, Jeff Beck em Truth encontra-se no auge de sua criatividade. Talvez alguém afirme que prefira as fases posteriores do guitarrista dos guitarristas. Quanto a mim, fico com a época em que Beck ainda não tinha se alojado sob a sombra de John McLaughin e nem se contentava em se parodiar. Verdade.


Celso Pucci (Revista Bizz, Edição 31, Fevereiro de 1988) 




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