Favoritos da Casa; The Silver Apples, os pioneiros da eletrônica.


Favoritos da Casa; The Silver Apples, os pioneiros da eletrônica.


A música electrônica nunca se teria vulgarizado e propagado sem a existência dos Silver Apples. Este duo norte-americano, pioneiro no uso de maquinaria numa década em que a música popular era sinônimo de guitarras, editou duas obras seminais que mudaram para sempre a arte de criar sons.


Com apenas dois álbuns, os Silver Apples tornaram-se num dos projetos musicais mais influentes dos anos 60. Sem eles, é muito provável que Neu!, Kraftwerk, Suicide e a eletrônica dançável e massificada não tivessem surgido. O duo resultou da parceria entre o baterista Danny Taylor e o vocalista enigmaticamente conhecido por Simeon. Simeon tocava um insondável instrumento com o mesmo nome, que segundo o próprio, consistia em nine audio oscillators and eighty-six manual controls...The lead and rhythm oscillators are played with the hands, elbows and knees and the bass oscillators are played with the feet. É impossível não associar o nome do agrupamento à peregrina composição Silver Apples of the Moon do pioneiro da eletrônica Morton Subotnick. Porém, longe das paisagens áridas, lunares e fustigantes desta criação, o duo nova-iorquino conjuga o futurismo e a frieza da maquinaria a melodias e sensibilidades empolgantes e envolventes.




Silver Apples - 1968

A primeira obra-prima, Silver Apples, surge em 1968, libertando a inocência monstruosa e audaz da ruptura e da genialidade. Os cinco primeiros temas são inesquecíveis e não causariam espanto se fossem compostos por um qualquer coletivo eletrônico do ano da graça de 2013. Oscillations balança como um pêndulo à frente dos nossos olhos, invasivo pelo bombear de bleeps e hipnótico pela enxurrada rítmica. Seagreen Serenades é indefensável, o ritmo pulsante parece levar cada músculo à submissão. O foguetão progride, vertiginosamente, esmagando-nos contra os assentos, mas a bizarria de uma flauta muito folk segreda-nos que ainda estamos em Terra e que a viagem é puramente mental. Lovefingers está para 1968 como uma rave party está para 1992. Sons subliminares e faiscantes, a cadência repetitiva da bateria e os ecos psicadélicos da voz que se projeta para além da utopia hippie. Aqui, as flores que se usam no cabelo têm o peso da cintura de asteroides.

O brilhantismo inusitado acentua-se em Program. Um início de parque de diversões antecede uma canção que resultaria em guitarra acústica, mas que os Silver Apples transformam em hipnose despojada e minimal, interrompida no seu trajeto por estações de rádio avulsas que surgem do acaso. A tendência para a canção folk tornada espiral eletrônica continua em Velvet Cave. Os seguidores Suicide conseguem ser mais agitadores, mas nunca tão perturbadores. Na reta final, é natural que o efeito surpresa desta profética obra de estreia se desvaneça ligeiramente, mas a genialidade perdura até ao último segundo. Dancing Gods é uma penetrante revisitação de uma cerimônia Navajo e Dust parece ser a antecâmara para os poemas cósmicos debitados por Robert Calvert nos surreais concertos dos Hawkwind.




Silver Apples - Contact - 1969

Em 1969, é editado Contact. Não existem grandes desvios musicais em relação ao primeiro registo, exceptuando uma atmosfera geral mais sombria e o uso do banjo (em Ruby e Confusion), que acentua a ideia de hillbillies eletrônicos, um misto de raízes nitrogenadas pela tecnologia. Logo a abrir, You and I assume-se como um dos melhores temas dos Silver Apples. O abandono pulsante do primeiro álbum parece ter dado lugar a uma maior urgência, um ponta de ansiedade difícil de disfarçar. Water faz-nos orbitar à sua volta, ora sugando-nos, ora repelindo-nos do seu centro de gravidade. Os presságios de paranoia do primeiro álbum tornam-se realidade em temas como Gypsy Love ou o denso A Pox on You. Simeon e Taylor atingem aqui uma elevada capacidade de manipulação sonora e ambiental, invertendo o olhar da escuridão do espaço para as trevas que nos habitam. Contact termina com o desvario psicodélico de Fantasies, oscilante e muito intoxicado.


Após a súbita desaparição que sucedeu a estes dois discos, a recuperação dos Silver Apples deu-se com a reedição conjunta dos mesmos em 1997. O revivalismo desaguou na edição de um punhado de álbuns, que não fez os mestres superar aprendizes entretanto surgidos como os Stereolab ou os Spacemen 3. O que realmente fica para a história são aqueles dois primeiros álbuns, únicos e inimitáveis, e em cuja criatividade o futuro começou a ser traçado.













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