Música + Livros; 'Só Garotos', Patti Smith
Música + Livros; 'Só Garotos', Patti Smith (Leitura Online)
Nova York vivia em ebulição. De suas ruas, casas de shows, livrarias
e bares saiam rolos de fumaça psicodélica e emanações de libertação
artística e sexual. Era o cenário ideal para os jovens artistas, poetas,
roqueiros e intelectuais que buscavam novas formas de expressão e
mudavam a todo momento a cara dos anos 60.
“Só Garotos”
descreve esse caldeirão cultural a partir de um olhar poético e engajado
– o olhar de Patti Smith, musa dos primeiros passos do punk. Generosa
com sua própria trajetória, ela estende a mão e convida o leitor a
passear contra o vento pelas ruas de Manhattan. E revela sua bela
história de amor com o então desconhecido Robert Mapplethorpe.
O livro aborda o período desde o nascimento de Patti e Robert -- ambos
na segunda metade da década de quarenta, e segue até o final da década
de oitenta, período em que Robert, já o famoso fotógrafo de nus
provocantes, morre vítima da aids.
Patti conta
como foi criada, em New Jersey, numa família relativamente pobre.
Lembra de seu trabalho como operária, e de como foi mãe solteira aos 19
anos e entregou a criança para adoção. Apesar do ambiente modesto, era
uma leitora insaciável. Nessa época, Rimbaud foi seu companheiro
permanente. Depois vieram Baudelaire, Genet, Blake e outros, que ela
cita em meio a suas memórias.
Em 1967 Patti
decide tentar a sorte na Big Apple. Sem dinheiro suficiente para a
passagem, encontra uma carteira com alguns dólares, esquecida numa
cabine telefônica. Um golpe de sorte decisivo, que lhe põe na trilha de
seu destino de poeta.
Num primeiro momento,
Nova York se revela deslumbrante, mas hostil. Patti descreve uma
verdadeira saga hippie em busca de dinheiro e abrigo. Dentro do espírito
beatnik, dormiu na rua, dividiu refeições de pão e alface com mendigos,
mas também recebeu a ajuda de desconhecidos dispostos a oferecer um
providencial banho de chuveiro.
E então
conhece Robert Maplethorpe, no mesmo verão em que Jimi Hendrix ateava
fogo em sua guitarra. Tornam-se inseparáveis. A partir daí, a escrita
poética e envolvente de Patti desvenda uma relação de amor
incondicional, companheirismo e respeito mútuo.
Juntam tostões para comprar material de desenho, às vezes famintos,
dividem camas bolorentas em hotéis de quinta... As dificuldades passadas
pelos dois não pesa sobre a sua escrita; a leitura é leve.Seu relato
traz à tona um Mapplethorpe diferente das biografias feitas
exclusivamente a partir de sua arte.
Patti acompanha tudo com olhos atentos e afetuosos. Descreve momentos
deliciosos dos dois dentro do pequeno quarto no mítico hotel Chelsea,
onde passam grande parte de sua vida em comum, ouvindo "Madame
Butterfly", recitando poesias, trocando presentes de dia dos namorados.
Um casal como outro qualquer, não fosse por Jimmy Hendrix e Janis Joplin
freqüentarem seu prédio.
A todo momento ela
passeia o foco por seus novos interesses, especialmente a música. E
acompanha, com admiração e curiosidade, as novas descoberta do
companheiro. Estão sempre criando juntos. Em suas próprias palavras, ela
era cheia de referências, ele de imagens. A devoção de um pelo outro
criou um invólucro protetor, nada era mais importante do que a liberdade
da criação.
Ao longo dos anos, Mapplethorpe passa da feitura de objetos como altares profanos, assemblages e desenhos, para temas cada vez mais densos. A descoberta da fotografia vem acompanhada de curiosidade pelo universo gay. Seu crescente interesse pelo homossexualismo e sadomasoquismo desestabiliza o casal. Sintomaticamente, a separação coincide com o desencantamento do idealismo hippie e as mortes de Janis, Hendrix e Jim Morrison.
Depois de cursos
informais de poesia com os maiorais do movimento beatnik, Burroughs,
Ginsberg e principalmente Gregory Corso, que ela pinta com cores vivas,
Patti sente-se preparada para dar a cara a tapa. Em 75, entra finalmente
no estúdio Eletric Lady, herança deixada por Hendrix, e grava seu
primeiro disco, o cultuado "Horses". Com a mesma cumplicidade de antes,
Robert tira o retrato de Patti para a capa.
Nos anos seguintes Patti foi reconhecida como precursora genial do punk.
No verão de 1978 chega ao sucesso com a canção "Because The Night",
parceria com Bruce Springsteen. Pouco depois, as fotografias eróticas e a
personalidade irreverente de Mapplethorpe o leva ao patamar mais
elevado da fama. Os dois haviam encontrado seus caminhos.
Em 1986, casada com Fred Sonic Smith, guitarrista de sua banda, e à
espera do segundo filho, Patti recebe a notícia que Robert estava com
aids. A partir daí segue uma dura despedida, que dura três anos. Tal
como a abertura do livro, são momentos pungentes, de beleza sofrida. Ao
fechar “Só Garotos”, que ganhou muito merecidamente o National Book
Award de não ficção, a impressão é de realmente ter estado ao lado de
Patti e Robert. E companhia melhor não há.
Mais informações
www.pattismith.net/
en.wikipedia.org/wiki/Patti_Smith
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