Discoteca Básica; 'Tim Maia', Tim Maia (1970)


Discoteca Básica; 'Tim Maia', Tim Maia (1970)

O lançamento desse disco marcou o ano zero da música black no Brasil. Com seu álbum de estréia, aos 28 anos, Sebastião Rodrigues Maia abria um novo caminho para nossa música. Se João Gilberto havia adicionado elementos jazzísticos ao samba criando a bossa-nova, Tim incorporava o soul dos negros americanos. E fazia isso de maneira tão natural, brasileira e popular que a identificação de seu som com o grande público foi imediata e definitiva. 

É verdade que a Jovem Guarda já flertava com o balanço dos hitmakers da gravadora Motown e o próprio rei Roberto Carlos gravou em 68 "Não Vou Ficar", o primeiro grande sucesso de Tim Maia como compositor. Porém, dois anos mais se passariam para que o país inteiro descobrisse que, além de ter muitos outros clássicos na cabeça, o cara cantava como ninguém jamais tinha conseguido deste lado do hemisfério e sabia exatamente como nivelar a música brasileira com o que havia de mais legal na época em matéria de soul. 

Onze anos antes, Tim fizera um "estágio" nos EUA. Com apenas dezessete anos, preto e pobre, já era maluco o suficiente para se mandar para lá em plena bana pesada dos tempos pré-Martin Luther King. Isso no exato momento em que a derivação do rhythm'n'blues, que seria conhecida como soul music, começava a definir seus contornos. Ficou por lá até ser "convidado" a se retirar da festa pelas autoridades americanas (ele desabafaria em "Meu País", de 71:


"Sim, bem sei que aprendi muito no seu país/ Justo no seu país/Porém, no meu país senti tudo que quis").

Mas foi por aqui que ele encontrou os elementos que tornariam a música que fazia tão rica e particular, como ficava comprovado no seu primeiro álbum. Com o paraibano Genival Cassíano compôs "Padre Cícero", uma irresistível mistura de forró e soul em homenagem ao preacher de Juazeiro. Essa feliz experiência genética teve seu ponto alto em "Coroné Antonio Bento" (Luiz Wanderley/João do Vale), onde a atuação vocal alucínada de Tim fazia a gente acreditar que Memphis ficava em pleno sertão de Pernambuco. Aliás, a participação de Cassiano - o outro grande arquiteto do soul Brasil - foi fundamental no disco. São dele "Você Fingiu", a sensível "Eu Amo Você" e o hít "Primavera" (as duas últimas em parceria com Silvio Rochael).

E se o mundo todo pudesse ouvi-Io, ele ainda tinha muito para contar: em meio ao belíssimo arranjo de cordas em "Azul Da Cor Do Mar", Tim tocou no nervo do dente da paixão latina (" ... um nasce para sofrer/enquanto o outro ri"). Desde então, poucos artistas têm convencido como ele, ao cantar a dor do homem espezinhado pela mulher ingrata. 

Mais de duas décadas depois, o disco ainda impressiona pela riqueza das melodias e dos arranjos, além da atualidade sonora de faixas como "Cristina" (uma aula de como tirar música da alma) e "Flamengo". 



Antes de sacramental' o samba-soul de "Réu Confesso" e "Gostava Tanto De Você" em 73, Tim lançaria mais dois álbuns pródigos em gerar sucessos, todos pela atual PolyGram - a mesma gravadora para onde fora levado pelos Mutantes. Em 92, ano de tantas comemorações, as cinqüenta primaveras de Tim Maia bem que mereceriam o lançamento na íntegra desse primeiro e fundamental ciclo de sua carreira em CD. Isso que é discoteca básica, obrigatória. 



Cláudio Campos (Revista Bizz edição 87, Outubro de 1992) 


Tracklist;

1 Coroné Antônio Bento 
2 Cristina 
3 Jurema 
4 Padre Cícero 
5 Flamengo 
6 Você fingiu 
7 Eu amo você 
8 Primavera [Vai chuva] 
9 Risos 
10 Azul da cor do mar 
11 Cristina nº 2 
12 Tributo à Booker Pittman 


 

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