Disco da Semana; 'Currents', Tame Impala (2015)


Disco da Semana; 'Currents', Tame Impala (2015)

Não demorou quase nada para que o
Tame Impala tomasse um avião para fora da Austrália e começasse a ocupar palcos cada vez maiores e mais importantes na Europa, nos Estados Unidos e até na América do Sul (embora não tenham se apresentado ainda para uma vultuosa plateia em terras brasileiras, já fizeram três shows por aqui). Antes de saírem da Austrália, a internet contribuíra para que as músicas de Innerspeaker (2010) ganhassem admiradores da volta psicodélica ao rock que o álbum propunha.

Foi em um festival de verão americano, exibido pelo YouTube, que vi o Tame Impala ao vivo pela primeira vez. De cabelos soltos colados no rosto por causa do vento, com um belo timbre de voz e os sons viajantes da turnê de Lonerism (2012), Kevin Parker, o frontman da banda, lembrava muito um jovem David Gilmour tocando e cantando para ninguém no clássico show do Pink Floyd nas ruínas italianas de Pompéia. E há algo de Pink Floyd mesmo no som do Tame Impala, algo de Syd Barrett, principalmente, misturado a tantas outras influências, como o soul, funk , disco e R&B, estilos que Parker nunca fez questão de esconder. Já fizeram um cover de Outkast e Michael Jackson, sem falar no cover ao vivo de “Thriller” que colocou todo mundo para dançar durante a execução de “Elephant” em São Francisco em 2013.


E foi a vontade de ver o público dançando mais que levou a banda, segundo Parker, a fazer de Currents um álbum com o lado B da disco, dance, soul, eletro e R&B. A psicodelia, as guitarras com delay, as atmosferas viajantes de teclado e sintetizador que já vimos e aprovamos em Lonerism e Innerspeaker não foram embora. É, contudo, o disco menos rock do Tame Impala até agora, mas não o menos inventivo. Assim como o Unknown Mortal Orchestra em Multi-Love, Parker e sua turma fizeram com que absolutamente todos os sons do novo disco soem não apenas orgânico, mas retrô e vintage, como se os australianos tivessem entrado num buraco de minhoca e trouxessem timbres e “sujeiras” sonoras direto de meados das décadas de 1970 e 1980. O que na mão de algum/alguma cantor/cantora pop mais deslumbrada seria resolvido com programações de algum produtor que usa uma máquina para simular uma bateria, por exemplo, o Tame Impala fez o contrário: usou instrumentos reais para tentar fazer o que máquinas fariam hoje na música pop.Por todos esses motivos, temos uma sonoridade em Currents que não é apenas dançante e retrô, mas também valoriza os melhores timbres para que o álbum seja ouvido no formato vinil. Além da boa música, são detalhes como esse que fazem do Tame Impala uma das bandas mais legais da atualidade.


Currents já começa com quase 8 minutos de “Let It Happen” e sua letra que tanto parece a voz dentro da cabeça de alguém em um clube noturno dançando até amanhecer (e não falta levada dançante, teclados, voz distorcida à Daft Punk, loops e até estalar de dedos para criar este clima) até como se fosse a expressão de uma vontade contida querendo extravasar e ver o que acontece em seguida (“Let it happen, let it happen”). A boa vibe de “Yes, I’m Changing” faz dessa a faixa mais gentil e mais doce que o Tame Impala já gravou. Há algo ali do R&B dos anos 60 com os arranjos e sintetizadores da década seguinte, algo próximo de Michael Jackson, ídolo de Parker. “Disciples” não chega a dois minutos, mas tem uma das levadas mais facilmente assimiláveis, soa até como abertura de algum seriado ou desenho animado antigo, resgatando a criança em cada um de nós.


Em Innerspeaker a banda mostrou que tinha pés no rock e basicamente todas as faixas se apoiavam nas guitarras de Kevin Parker e Dominic Simper e os efeitos aplicados a elas que criavam o ar psicodélico. Em Lonerism houve um amadurecimento notável: as guitarras ainda importavam, mas não eram os instrumentos que carregavam as músicas, podendo ser usadas de uma forma mais melódica e em momentos mais chaves. 

Há interlúdios ao longo do álbum que mostram a boa mão de Parker para manipulações sonoras, como as super sintetizadas “Gossip” e “Nangs”, que ressaltam a presença de ácido na mente do compositor. “Past Life”, outra faixa que se apoia bastante nas melodias e texturas que sintetizadores são capazes de criar, tem até um vocal digitalmente alterado para soar grave e narrativo, como o Air fez em “Suicide Underground” para a trilha de As Virgens Suicidas.

“Love Paranoia” é um R&B lento e lânguido, como um outro australiano, o Daniel Johns (ex-vocal do Silverchair), nos mostrou este ano em Talk. Mas Johns apostou em uma expressão século 21, mais calcada no pop radiofônico, não levemente viajante e tão retrô quanto soa o Tame Impala. “New Person, Same Old Mistakes”, que fecha o trabalho, afasta um pouco do colorido do álbum e serve melhor como uma faixa para se ouvir sozinho do que a pegada mais pista-retrô do restante de Currents. Segundo Kevin, o conceito por trás de Currents seria a ideia das transformações que ocorrem a uma pessoa ao longo de um tempo, chegando a se tornar “aquele tipo de gente que você achou que nunca seria”. Da vontade de extravasar de “Let It Happen”, vemos que a última faixa atesta que as transformações não exatamente nos tornam melhores.

O Tame Impala já foi um quarteto e atualmente responde apenas pelo trio formado por Parker, Simper e o tecladista Jay Watson. Ao vivo recebem os reforços de Julien Barbagallo na bateria e Cam Avery no baixo. No entanto, é basicamente o vocalista que compõe e grava tudo sozinho. E é impressionante a habilidade que o músico de 29 anos tem de unir de maneira muito própria suas referências, de Michael Jackson a Supertramp, de rock psicodélico dos anos 60 a soul setentista, e fazer tudo vir embalado em música pop honesta e bastante coerente do começo ao fim.O BrunoChair, outro editor deste blog e fã do Tame Impala, diz que Currents faz lembrar que foi nos anos 80 a explosão do synthpop (e Madonna, Jackson e Prince têm muito a ver com isso), mas é como se só agora a música eletrônica começasse a ser incorporada verdadeiramente ao pop do século 21 e de forma inventiva. Tame Impala e Unknown Mortal Orchestra seriam exemplos disso. É necessário dar tempo ao pop e ao público para ver como ambos respondem a essas experiências. A certeza é que os australianos fugiram do que já apresentaram anteriormente e fizeram um ótimo álbum. O que vai acontecer com o estilo, bem… let it happen.


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