Discoteca Básica; 'Another Green World', Brian Eno (1975)


Discoteca Básica; 'Another Green World', Brian Eno (1975)


O barulho acompanha a formação do universo, a grande explosão primeira, os sons da natureza, fontes de terror, fascínio que o homem procurou dominar para dar forma aos rituais de sacrifício, festa, guerra, luto etc. A partir dos sons, arquitetou-se a música que foi evoluindo através dos séculos. No século XX, redescobriu-se a dissonância (Stravinski), apareceram os sons eletrônicos (Varése, Stockhausen, Cage) e concretos (Schaeffer), mas a abordagem popular da música derivada do folclore sempre se manteve dentro de padrões essencialmente conservadores, cada geração curtindo um estilo, uma moda (blues, jazz, rock, soul...), todas variações em torno de uma mesma estrutura básica. Com o advento do sintetizador e a evolução das técnicas de gravação em estúdio, o rock'n'roll foi se sofisticando, as bandas injetando eletricidade em torno da mesma estrutura, procurando desesperadamente renovar a música dita pop.

É justamente em 1975, ano considerado o menos criativo da década, que Brian Eno sugere (melhor do que lança) "Another Green World", após quatro anos de provocações e extravagâncias glitter, dois dos quais passados a colocar Roxy Music nos trilhos. Poderia ter sido mais um LP de pop music. Os nomes dos músicos convidados podem enganar: Robert Fripp, o inevitável Phil Collins e John Cale (ex-Velvet Underground), para citar os mais famosos. O que se descobre é um álbum de 14 canções e miniaturas instrumentais onde os climas se alternam em tons e semitons suaves, em que a eletrônica tem um papel básico. As melodias são simples, as harmonias são reduzidas ao mínimo de notas, os instrumentos se sobrepõem por camadas (Eno toca sozinho metade das faixas), e todos sem exceção sofrem um tratamento específico, têm sua sonoridade alterada, seus timbres modificados. Onde o Pink Floyd, por exemplo, recorre a efeitos acústicos para fins ilustrativos, Eno incorpora sintetizadores, vozes e efeitos como um todo orgânico. Estamos ouvindo pela primeira vez um disco de rock em que a preocupação principal é com a textura dos sons, linhas do tecido musical, como meio de criação de uma atmosfera.



As atmosferas claras, luminosas de "St. ElmoÕs Fire" (com solo perfeito de Fripp) ou "I'll Come Runing" alternam com as atmosferas inquietantes de "Sky Saw", que abre o álbum com uma base de quatro notas econômicas de guitarra "digital", ou "In Dark Trees", instrumental em que as guitarras recriam o efeito da buzina de um veículo em movimento. Além dos teclados, sintetizados ou não, Eno toca uma série de instrumentos inusitados: uma guitarra "serpente", outra "desértica" e até uma chamada "porrete", órgãos "encrespados", piano "incerto", um gerador de ritmos tratados, percussões elétricas, sintéticas, peruanas, "espasmódicas", "elementos elétricos", sons "não naturais" e fitas constam da ficha técnica.

Em 1982, Eno chegou a tecer alguns comentários a respeito: "Neste disco, procurei inscrever cada composição numa paisagem específica, de modo que o ambiente determinasse as formas de atividade instrumental que poderiam ocorrer. Isto se deu com mais freqüência por meio de efeitos de eco mecânicos e eletrônicos e delays; ecos da curta repetição sugerindo espaços urbanos retilíneos, por exemplo, e até hoje essas possibilidades têm sido usadas realisticamente para evocar espaços que fossem reconhecíveis. De "Another Green World" em diante, voltei meu interesse para o exagero e a invenção mais do que para a reprodução de espaços, experimentando em particular várias técnicas de distorção do tempo...".

O álbum teve uma repercussão razoável quando lançado. Mas abriu novos horizontes para "um outro mundo verde" , cuja influência é determinante para a música deste final de século. 

Jean Yves Neufville (Revista Bizz Edição 27, Outubro de 1987) 

Curiosidade; Como a maioria dos discos que tiveram forte influência sob outros artistas, 'Another Green World' foi um fracasso de vendas tanto nos EUA quanto na Inglaterra. Apesar de críticas elogiosas nas época, o disco levou Eno a, definitivamente, abandoar qualquer senso Pop na sua carreira solo, que ficou para seus trabalhos como produtor, principalmente nos anos 80 e 90 com o U2 e David Byrne e, mais recentemente, com o Coldplay.

Tracklist;

01. Sky saw
02. Over fire island
03. St. Elmo's fire
04. In dark trees
05. The big ship
06. I'll come running
07. Another green world
08. Sombre reptiles
09. Little fishes
10. Golden hours
11. Becalmed
12. Zawinul /Lava
13. Everything merges with the night
14. Spirits drifting




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